“Finalmente aqui está um homem que não tem medo da emoção”, isso quem dizia era o velho Charles Bukowski, fã do escritor John Fante, e que depois de conseguir certa notoriedade dentro do meio editorial trabalhou duro fazendo a cabeça de seus editores para publicarem as obras do escritor. Conta-se que Bukowski exigiu a sua editora que reeditasse romances de Fante como condição para continuar publicando suas obras por tal editora. E quem era Charles Bukowski, quem ele pensava que era para exigir tal coisa a seu editor? E quem era John Fante, para ser reeditado via olhares dos outros já que em vida não conseguiu tanta notoriedade assim? Quem eles eram?! Porra, eram escritores! E escritores escrevem e pensam que escrevem, e escrevem mais ainda por causa disso e é isso que fazem, é isso que os salvam da maldita vida comum, é isso que é o paraíso para eles, e o inferno também. Porque não acreditam em vida pós-morte, se não, não estariam trabalhando tão profundamente tentado deixar suas marcas neste mundo de esquecimento em que vivemos. Eles eram escritores, e escrever foi aquilo que lhes salvavam.
E o que nos salva, nós homens e mulheres comuns? O que nos salva da vida e do cotidiano de todos os dias?
“Finalmente aqui está um homem que não tem medo da emoção”. Realmente, isso é verdade, e ficou mais claro para mim depois que li 1933 Foi um Ano Ruim, livro que nem foi publicado enquanto Fante era vivo, e que só chegou aqui no Brasil nos anos 80, e que só me caiu nas mãos em Julho deste ano, depois de ir a um show que eu nem queria ir e esperar uma hora embaixo de chuva por uma cantora que eu nem queria ao menos ver ao vivo, e depois da cantora subir no palco e cantar três músicas eu ter que sair e passar uma noite esperando para realmente chegar em casa. Encontrei o livro em uma banca de revistas aberta em plena meia noite de sábado, banca de um velhinho que me olhava o tempo todo de modo desconfiado como se eu fosse roubar o livro que eu olhava como se fosse um achado, um tipo de mapa do tesouro. De toda forma foi um mapa, um mapa que levava para dentro de mim.
Em 1933 Foi Um Ano Ruim, John Fante conta de sua forma autobiográfica a estória de Dominic Molise, um adolescente muito próximo de completar 18 anos, filho de um pedreiro que há sete meses não trabalha e passa os dias dentro de um bar jogando sinuca para ganhar algum trocado para colocar dentro de casa, filho de uma mãe que passa os dias rezando para que Nossa Senhora traga um futuro melhor e o marido para dentro de casa. Dominic, neto de uma avó ranzinza que só pensa em como a América é a destruição do mundo e sonha em voltar para seu país de origem, sua casa. Dominic, irmão de um garoto de 15 anos que sonha em ser herói de filmes de caubói. Dominic, irmão de uma garota que sonha em ser freira. Dominic Molise, que sonha em se tornar jogador de baseball e que pouco a pouco é destruído pela realidade. Um sonhador, vindo da família de sonhadores, pessoas comuns que fazem este mundo continuar rodando e que por muitas vezes assistem na primeira fila ou em camarotes desorganizados seus próprios sonhos serem destruídos dia pós dia para que este mundo continue rodando e que suas vidas continuem seguindo, porque seguir é a única coisa que se pode fazer, já que desistir é visto pelos outros como caminho mais fácil e assim mais rêpuguinante.
“Finalmente aqui está um homem que não tem medo da emoção”. Realmente, um homem que não tem medo da emoção, de demonstrar emoção, sua própria emoção, e de mostrá-la aos outros. Fante, como depois o velho Bukowski, os dois escreviam retirando coisas de suas próprias vidas, livros com dados autobiográficos, vidas contadas em livros para todos no mundo ler. Eles escreviam com o que tinham, com o que sabiam, sobre o que sabiam escrever, suas próprias vidas. John Fante usava sua vida para contar suas estórias, e contar estórias é tudo o que um escritor tem a fazer, a partir daí quem lê vê o que quer ver, mais um escritor só têm isso para fazer, contar estórias, nada mais além disso. É isso o que os salva, é isso que os salvam do desaparecimento que existe dentro dos dias comuns. É isso que os levam para o paraíso.
E o que nos salva de nossos dias tão comuns? O que te liberta, o que te salva de você esquecer que você é você e não um outro que querem que você seja? O que te liberta deste mundo de esquecimentos que nos soterra diariamente e por vezes tira os sonhos de quem sonha?
Bom, uns bebem, outros fumam, uns jogam, outros fodem. Existem os que trabalham e outros que finge estudar. E eu não sei você, mas eu, eu leio.
2 comentários:
pode crer, carlos. esse livro é uma preciosidade, gosto muito dele também. john fante é um de meus autores preferidos. abraço.
ricardo carlaccio
Grande Ricardo :)
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