"Isso tudo, porém, é como caçar o vento. A essência dos suicídios não consistia em tristeza ou mistério, mas em simples egoísmo. As garrotas apossaram-se de decisões que é melhor deixar entregues a Deus. Tornarem-se poderosas demais para viver conosco, preocupadas demais consigo mesmas, visionárias demais, cegas demais. O que arrastavam atrás de si não era a vida, que é sempre vencida pela morte natural, mas a mais trivial lista de fatos mundanos: um relógio na parede marcando seu tique-taque, um quarto em penumbra no fim da tarde, e a afronta de um ser humano pensando apenas em si mesmo. Seu cérebro apagando-se para o resto, mas chamejante em exatos pontos de dor, feridas pessoais, sonhos perdidos. Todas as pessoas amadas retrocedem como se afastadas sobre uma grande superfície de gelo, reduzidas a pontos pretos que agitam os braços e já não se ouvem. E então a corda lançada por cima da viga, os soníferos despejados na palma da mão onde a linha da vida é longa e mentirosa, a janela aberta, o forno ligado, qualquer coisa. Elas nos fizeram participar de sua loucura, porque não podíamos deixar de repisar seus passos, repensar seus pensamentos, e ver que nenhum deles conduzia a nós. Não podíamos imaginar o vazio de uma criatura que encosta uma navalha nos pulsos e abre as veias, o vazio e a calma. E tivemos que lambuzar nossos focinhos em suas últimas pegadas, marcas de lama no chão, malas chutadas debaixo dos corpos, tivemos que respirar para sempre o ar dos quartos em que se mataram. No final, não importa quantos anos tinham ou o fato de serem garotas, mas somente que as amamos e que elas não nos ouviram chamar, ainda não nos ouvem, aqui em cima na casa na árvore, com nossos cabelos ralos e nossas barrigas moles, chamando-as para fora daqueles quartos aonde foram ficar sozinhas para sempre, sozinhas no suicídio, que é mais fundo que a morte, e onde nunca encontraremos os pedaços para tornar a juntá-las.”
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É dessa forma que Jeffrey Eugenides termina seu romance “As Virgens Suicidas”. Dessa forma Eugenides resume linda e emocionalmente a estória inteira do livro, em uma página apenas ele resume outras 205 páginas de uma estória bela, contada com um tom melancólico de perda, de quem perde um irmão, pai ou mãe, de quem perde um amigo, de quem perde a inocência ou a simples razão de viver, de continuar. De quem perde um amor.
“As Lisbon tinhas 13 anos (Cecília), 14 (Lux), 15 (Bonnie), 16 (Mary) e 17 (Thereza)... Ninguém conseguia entender como o Sr. E a Sra. Lisbon haviam produzido filhas tão bonitas.”
“As Virgens Suicidas”, primeiro livro de Eugenides foi publicado em 1993 e em pouco tempo ganhou adaptação para o cinema por Sofia Coppola, uma bela adaptação deve se dizer. No livro, o autor conta a história da família Lisbon, uma família americana nos anos 70, e das cinco garotas que precipitadamente decidem se retirar do mundo. Narrativa contada pelos garotos da vizinhança, os garotos que eram silenciosamente apaixonados pelas meninas e que continuaram por toda a vida. Uma paixão sem resolução, como nunca foi encontrado por eles a resolução para o mistério do que as garotas carregavam dentro delas, qual tristeza tinham, embora o livro inteiro seja uma procura por um rastro, um sinal do que existia dentro das adolescentes que decidiram se matar.
“– Evidentemente, doutor – disse -, o senhor nunca foi uma garota de 13 anos.”
E como foi escrito na contracapa do livro, “As Virgens Suicidas” não é um livro triste, realmente não. “As virgens Suicidas” é uma estória de amor, contada de uma forma bela, um pouco melancólica, porque sempre existe certo tipo de melancolia em perder a inocência, em perder o sentido de viver. Mas a estória contada por Eugenides que tão belamente tenta entrar no universo feminino de uma forma profunda através das garotas Lisbon, é uma estória de amor, de garotos que se tornam adultos e ainda apaixonados por garotas de suas adolescências, pelo que elas significavam, pelo gosto doce que é ser jovem, e o amargo que é perder tudo isso de uma hora para a outra.
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